Uma marcha que tomou as principais ruas do Centro do Recife e reuniu cerca de 52 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, marcou o protesto realizado na capital pernambucana nesta quinta-feira (20). Manifestantes se reuniram na Praça do Derby e saíram em passeata, por volta das 15h, pela Avenida Conde da Boa Vista, uma das principais artérias da cidade. Na saída, uma fumaça verde e amarela foi lançada e muitos cantaram o Hino Nacional. Exibindo cartazes e, em vários momentos, gritando pelo fim da corrupção, do preconceito e por melhorias na educação, saúde e no transporte público, a multidão caminhou por aproximadamente cinco horas.
O ato foi pacífico, mas em alguns momentos houve correria e confusão provocadas por pequenos grupos inflitrados entre os manifestantes. Eles tentaram iniciar arrastões e assaltar os participantes. A Secretaria de Defesa Social (SDS) de Pernambuco informou, por volta das 23h, que registrou 30 ocorrências, 28 delas com detenções ou prisões. O movimento ocorreu em diversas cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Brasília e Belém.
Enquanto caminhava pela Avenida Conde da Boa Vista, a multidão foi saudada por uma chuva de papel picado jogado por moradores dos prédios. Ainda na via, um grupo com camisas do Partido dos Trabalhadores (PT) e  da União dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco (Uespe) foi hostilizado pela maioria, que afirmava não integrar partidos políticos. Houve bate-boca e explosão de bombas juninas. Ninguém ficou ferido. Ao chegar à Rua da Aurora, nas proximidades do Cinema São Luiz, a marcha se dividiu, por volta das 18h. Parte seguiu pela Rua do Sol e voltou à Aurora pela Ponte Princesa Isabel, para protestar em frente à Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
Já a grande maioria partiu em direção ao Marco Zero da capital, passando pela Avenida Guararapes, Ponte Maurício de Nassau e Avenida Marquês de Olinda. Um dos tumultos ocorreu em frente ao edifício de número 111 da Guararapes. Um grupo que tentava assaltar os manifestantes foi surpreendido por dois policiais militares. Ao tentar coibir a ação, os PMs foram cercados em frente ao prédio enquanto o grupo arremessava pedras e paus, que atingiram Rubens Rocha, 60 anos. Ele disse ter saído de Cavaleiro, em Jaboatão dos Guararapes , e estava na calçada acompanhando o ato quando foi ferido na perna.
Cartaz pede paz e a continuidade dos protestos
Em meio à confusão, os manifestantes vaiaram a ação do grupo. Alguns se sentaram no chão, para não serem confundidos com os que tentavam tumultuar. Em coro, gritavam: "sem violência, sem violência", até que os agressores fossem retirados. Um outro manifestante passou mal após ser atingido por fogos de artifício. Dois suspeitos de praticar crimes foram detidos na Praça da Independência e outros três, na Avenida Guararapes. Na Avenida Marquês de Olinda, o clima voltou a ficar tenso com novas tentativas de furto. Policiais detiveram nove pessoas no local. Por diversas vezes, a PM chegou a ser aplaudida pelos participantes da marcha. Os policiais que monitoraram a marcha estavam usando uma braçadeira com o nome "paz", por cima do fardamento, e flores nos coletes à prova de bala.
Na Ponte Maurício de Nassau, banners decorativos em alusão à Copa das Confederações - que tem o Recife como uma das sedes - foram rasgados. Os cartazes estavam afixados a postes de iluminação. Por volta das 19h30, quando grande parte dos manifestantes ocupou o Marco Zero, a marcha começou a se dispersar. Muitos saíram do local, voltaram pela Praça da República e subiram as escadarias do Palácio de Justiça. Em frente à sede do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), eles cantaram: "Ei, Brasil, vamos acordar, porque um professor vale mais que o Neymar".

Máscaras recolhidas na Alepe e depredação na Prefeitura do Recife 
O outro grupo de manifestantes, que estava em frente à Assembleia Legislativa (Alepe), gritava chamando os deputados e criticando a atual administração municipal. Outras faixas reclamavam da gestão do governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Policiais revistaram manifestantes perto da Alepe e recolheram máscaras, sem explicar o motivo da apreensão. "Levaram nossas máscaras e pertences. Eles pediram para a gente tirar porque estávamos como anônimos. Mostramos nossa cara, mas levaram mesmo assim", reclamou o manifestante Lucas Lopes.
Em frente à Prefeitura do Recife, um outro grupo se aglomerou gritando palavras de ordem e também questionando a atual administração. Por volta das 20h30, a Guarda Municipal reforçou a segurança do prédio, com o apoio do Batalhão de Choque da PM. No entanto, não foi suficiente para dispersar as pessoas. Um vidro da fachada foi apedrejado e uma mulher chegou a passar mal. Uma parada de ônibus situada em frente ao Executivo municipal também foi depredada.
À noite, o clima ficou tenso na Avenida Agamenon Magalhães, no Recife
Spray de pimenta e balas de borracha na Agamenon 
No  início da noite, o clima ficou mais tenso na cidade. Na Avenida Agamenon Magalhães, na altura do Parque Amorim, onde o trânsito já estava bloqueado, a PM foi deslocada para monitorar a ação e negociar com um grupo, que ficou sentado no asfalto, impedindo a passagem dos veículos. Os motoristas de ônibus, depois de aderir ao protesto paralisando a circulação dos veículos por três horas, voltaram a trafegar, mas um engarrafamento quilométrico se formou no local. Vale lembrar que, nesta quinta, começaram a vigorar as novas tarifas de ônibus no Grande Recife, após redução que baixou o valor do anel A de R$ 2,25 para R$ 2,15.
Com o trânsito interrompido, motociclistas que tentavam furar o bloqueio eram perseguidos. Um deles foi derrubado da moto, ferido na cabeça e ainda teve a carteira roubada. Algumas pessoas pegaram carrinhos de compras de um supermercado próximo e levaram até a via. Gelos baianos também foram usados para bloquear a pista. O grupo ainda fez uma fogueira no local. Muitos estavam armados com pedaços de pau.

Ainda na Agamenon, a PM deteve um homem que estaria com uma mochila cheia de documentos. Ele é suspeito de portar uma arma. Em outro ponto da avenida, perto da Praça do Derby, houve confronto. Na confusão, o jovem Rafael Ferreira disse ter sido agredido por policiais que estavam com cassetetes. Ele quebrou um dente e ficou desorientado. A polícia usou balas de borracha, spray de pimenta e bombas de efeito moral para dispersar o grupo. O trânsito na Agamenon Magalhães só foi liberado após as 23h.
Gradil do Palácio da Justiça
Mensagens 
Nas grades do Palácio da Justiça e da Praça da República, manifestantes deixaram um rastro de mensagens a respeito das propostas que defendem nesse momento de agitação política e social que o Brasil atravessa.
A diversidade de cartazes mostrou a pluralidade das reivindicações, a maior parte focada no transporte público, como passe livre para estudante e trabalhador desempregado, licitação imediata nas linhas de ônibus, melhores condições de trabalho para rodoviários, ciclofaixas e metrô para Zona Norte. Também protestavam contra as PECs 37 e 35, ato médico e o projeto de "cura gay", além de cobrar reformas política e fiscal e ações contra a seca no estado.
A SDS organizou, junto com a Prefeitura do Recife, um esquema especial para acompanhar a manifestação, envolvendo mil homens, entre policiais civis, militares e bombeiros. Na Avenida Conde da Boa Vista, a polícia recolheu um pedaço de ferro, pequenas bombas e fogos de artifício com um grupo de cinco jovens. Após serem revistados, eles foram liberados e os itens, apreendidos. "Fiz por questão de segurança. Isso é coisa que se traga para uma manifestação pacífica?", questionou o tenente Carlos Oliveira. O comércio do bairro da Boa Vista fechou as portas e empresariais colocaram tapumes na entrada. Paredes de alguns estabelecimentos foram pichadas.
No meio do protesto, uma ciranda
Ao longo da marcha, o clima de paz foi defendido pelos manifestantes, que pediam para algumas pessoas descer das paradas de ônibus e manter a calma. Uma ciranda foi organizada em plena passeata assim como 'olas' na Conde da Boa Vista. Luzes dos estabelecimentos e residências foram piscadas em apoio aos manifestantes.
Luzes piscam e pessoas sentam no chão para pedir paz
O cantor e compositor Zé Manoel participou da manifestação. "Também estou insatisfeito com a forma que o Brasil é gerido, está tudo muito errado, na raiz. Acredito também que a gente deve mudar e se transformar em cidadãos melhores, pois nossa politica é reflexo do que somos", comentou. "Estou aqui lutando, não só pela passagem, prefeituras falidas, pela corrupção e pela nossa cultura mais valorizada", disse o cantor e rabequeiro Maciel Salú.
Um grupo do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) saiu às ruas com um carro de som contra a PEC 37, que limita os poder de investigação do órgão. "Esse projeto cria um monopólio da investigação para a polícia, atinge outros órgãos como o Banco Central, e pode estimular a impunidade. A polícia não tem condição de investigar tudo", argumentou o promotor Salomão Ismail Filho.
Integrante de um movimento de mulheres de Brasília Teimosa (Zona Sul), Elides Queiroz, 71 anos, contou que já participou de vários protestos, mas nunca de um como esses que estão acontecendo no Brasil. "Nunca vi uma manifestação tão intensa, com tamanha participação popular",  comemorou.