Informação policial e Bombeiro Militar

sábado, 28 de junho de 2014

Coronel diz: Doutrina de Segurança Nacional influencia violência policial!


Doutrina de Segurança Nacional influencia violência policial, diz PM e pesquisador

Tal doutrina leva a um comportamento de guerra, em que “não há vitoriosos, só perdedores, acrescenta Adilson Paes de Souza



Tenente-coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Adilson Paes de Souza contradiz o estereótipo do policial durão e luta pelos direitos humanos. Autor do livro "O Guardião da Cidade: reflexões sobre casos de violência praticados por policiais militares", fruto da sua dissertação de mestrado, discorda da visão e formação da polícia. Adilson entrevistou policiais para tentar compreender o processo que desencadeia a violência policial e concluiu que ainda vivemos sob a influência da Doutrina de Segurança Nacional, o que leva a um comportamento de guerra em que "Não há vitoriosos, só há perdedores!". Ele concedeu a seguinte entrevista ao Brasil Notícia:

Brasil Notícia - Recentemente, em Brasília, o acusado de ter ateado fogo num índio em 1997 e que à época era menor de idade e cumpriu medida socioeducativa por infração análoga a homicídio, foi aprovado em concursos da Polícia Civil do DF e de Goiás. O acusado acabou não passando na avaliação de vida pregressa e investigação social. Como você enxerga essa situação? Você acredita que ele tenha alguma predisposição à violência? Ou que a reeducação o transformou em alguém que quer proteger a sociedade?

Adilson Paes de Souza - Pergunta complexa. Primeiro, eu não creio que o sistema de reeducação de jovens infratores funcione de maneira adequada e consiga a reeducação "ideal" para o interno. Denúncias de maus tratos, abandonos e de falta de estrutura não faltam. Não creio que tenha havido um acompanhamento psicológico adequado. Creio que há lacunas sérias nesse sentido, uma delas é que pode haver sim a predisposição para a violência e que a pessoa tenha visto a oportunidade de exercê-la sendo policial, com a falsa idéia de proteger a sociedade, praticando atos violentos e que resultem em graves violações de direitos humanos. Policiais militares entrevistados por mim agiam sob essa falsa percepção.

Há um excelente texto de Hannah Arendt sobre o que vem a ser autoridade (o nome do texto é "Que é autoridade" e está no livro "Entre o Passado e Futuro" da Editora Perspectiva). Nele, a autora expõe justamente a séria questão do mau entendimento do termo, o que levou a compreensão de que exercer autoridade é ser autoritário, truculento, violento e arbitrário. Esse é um problema muito grave e recorrente, daí a explosão de casos e denúncias de graves violações praticadas pelos agentes públicos que deveriam proteger a sociedade.

Brasil Notícia - Quais são as raízes históricas da "truculência" da polícia? Até que ponto o regime militar interferiu no posicionamento da polícia hoje? Ainda vivemos sob a "égide" da Lei da Segurança Nacional?

Adilson Paes de Souza - Creio que historicamente os corpos policiais sempre foram utilizados para sufocar revoltas (vide Canudos, Contestado, Laguna) e, aliás, é forte a presença na Missão Francesa na criação e no treinamento dessas corporações, com estética militar. No regime militar policiais (civis e militares) foram treinados por americanos e franceses em técnicas de tortura e na captura de subversivos. Durante o regime militar foi editado o Decreto Lei Federal nº 667. de 2 de julho de 1969, que reorganiza as Polícias Militares. Esse decreto cita, de maneira expressa, "o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5" como base. Nele, pela primeira vez, as polícias militares são consideradas "forças auxiliares e reserva do exército". É nítido que o Decreto Lei 667 foi editado com base na Doutrina de Segurança Nacional, e na consequente Lei de Segurança Nacional, que tratou de operacionalizar tal doutrina; e, por incrível que pareça, continua vigente até os dias de hoje. Temos, ainda hoje, mesmo após o dito processo de redemocratização do país, aspectos do AI 5 vigentes. Tanto é que a atual Constituição Federal, no artigo 144 § 6º, faz constar que as polícias militares são "forças auxiliares e reserva do exército", repetindo o que estava contido no Decreto Lei 667.

Brasil Notícia - Diante de recentes acontecimentos, como a morte de Amarildo, DG, além de muitos desentendimentos em áreas consideradas "pacificadas", podemos afirmar que a polícia é inimiga da população? 

Adilson Paes de Souza - Acontece que ainda vivemos sob a influência da Doutrina de Segurança Nacional. Ainda é muito presente nos discursos das autoridades a retórica da guerra; ou seja, ‘guerra contra os traficantes’, ‘vamos retomar o morro’, ‘vamos reconquistar o território’. Ainda há o estabelecimento da figura do inimigo a ser combatido. Esse tipo de discurso exerce enorme influência no pensamento e na ação do policial. Ele se vê em guerra, ele se vê  atuando num campo de batalha, onde o inimigo deve ser eliminado. Assim, sob o olhar dos moradores de determinada área, eles (os policiais) são vistos como inimigos também. Policiais entrevistados por mim, expuseram exatamente isto: eles estavam em guerra, num campo de batalha, combatendo inimigos. Não há como falar em comunidades pacificadas.

Brasil Notícia - Qual a sua opinião sobre concepção social de que "bandido bom é bandido morto"? Ela legitima a ação da polícia?

Adilson Paes de Souza - Para mim trata-se de um discurso populista, de baixo nível, infelizmente com forte apelo em determinadas camadas da nossa sociedade. Discurso esse usado e manipulado por políticos inescrupulosos e que propõem uma "solução" rápida e "eficaz" para o grave problema da falta de segurança pelo qual passamos. Em nenhum momento serve para legitimar a ação da polícia. Esse discurso desvia o foco da questão e afasta a possibilidade da existência de uma discussão séria e apropriada sobre as causa da violência (policial inclusive) e as consequentes soluções.

Brasil Notícia - Como você enxerga o chamado "genocídio da população negra"? Podemos pensar que isso é reflexo de uma política/polícia que defende uma burguesia branca?

Adilson Paes de Souza - Há autores e ativistas que defendem esta tese. Acredito que tudo é fruto do estabelecimento de um inimigo a ser combatido, que geralmente são os moradores de determinada área, pertencentes à determinada classe social (mais baixa) e mais vulneráveis socialmente. Acontece que, por razões históricas, grande parte da população negra é que vive nestas áreas e que se enquadra nesta definição, infelizmente.Por exemplo, é muito comum atribuir à favela a marca de ser um local onde só há marginais e, portanto, um território inimigo.

Brasil Notícia - Como você, que vive o trabalho da polícia, vê o lado da polícia neste turbilhão? Os policiais também podem ser considerados vítimas de um sistema que o trata como um "obedecedor"?

Adilson Paes de Souza - Estou fora do serviço ativo há mais de dois anos. Contudo, tenho certeza de que os policiais, mesmo aqueles que cometem graves violações de direitos humanos, também são vítimas. O mesmo sistema que os alimenta, será aquele que o abandonará e o responsabilizará, de maneira isolada, pelo ato praticado. Infelizmente é muito recorrente a afirmação de que tal ato se tratou "de um ato isolado".Usando a metáfora da guerra, pode-se afirmar que não há vencedores em nenhum dos lados. Só há perdedores. Foi o que constatei nas entrevistas realizadas com ex-policiais que foram presos pela prática de homicídios caracterizados como execuções sumárias extrajudiciais.Também tenho contato com familiares de policiais presos e com familiares de pessoas mortas pela polícia. A dor, a desgraça e o sofrimento são imensos. Não há como imaginar. Por isso que reafirmo: "Não há vitoriosos, só há perdedores!".

Brasil Notícia - Se quiser fazer qualquer outra observação, pode deixar aqui.

Adilson Paes de Souza - Sim, a minha fala é a mais pura demonstração de lealdade à Polícia Militar. Utilizo do mecanismo de voz para expressar toda minha lealdade à instituição que servi por 30 anos. Hoje, segundo pesquisa divulgada pelo  Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 70,1 % da população desconfia nas polícias. É preciso mudar!


Fonte: Brasil Notícias

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