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segunda-feira, 23 de março de 2015

Candidatos denunciam brancos na cota de negros em concurso da Polícia Federal

Polemica



As polêmicas sobre o sistema de cotas raciais voltaram à tona. E, agora, nos concursos públicos. A Lei 12.990, de 9 de junho de 2014, que garante 20% das vagas em certames do Poder Executivo para negros ou pardos, pode estar sendo burlada. Candidatos a integrar os quadros da Polícia Federal (PF) denunciaram que alguns concorrentes, que não seriam negros, mas teriam se declarado como tal, disputarão as fases finais do processo seletivo. Faltando apenas a realização do exame médico e da avaliação psicológica para a conclusão da primeira etapa, pelo menos 27 pessoas estariam se aproveitando da legislação, que exige apenas a declaração da raça feita pelo próprio candidato, sem comprovação.

O assunto tem movimentado reclamações na internet e em redes sociais. O Ministério Público Federal (MPF) foi notificado e o caso foi distribuído para o titular do 1º Ofício de Cidadania, Felipe Fritz Braga, da Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF). A expectativa dos candidatos que denunciaram a irregularidade é de que seja instaurado inquérito civil.

Depois que a lei foi sancionada, a então ministra da Igualdade Racial, Luiza de Bairros, afirmou que o governo estava “preparado para combater atitudes de má-fé e cobrar o cumprimento da legislação na Justiça”, mas assentiu que não havia mecanismos específicos de fiscalização. A intenção do governo é de que o método de comprovação e de punição de fraudes raciais seja semelhante ao usado no sistema de cotas nas universidades, no qual a própria comunidade acadêmica revela a violação.

Inchaço


Das 600 vagas do concurso da PF, 120 serão destinadas a negros. A servidora pública Ana Paula dos Santos, 37 anos, se candidatou a um desses postos e acredita que a concorrência de pessoas que não são negras prejudica os cotistas. “Muitos dos que foram eliminados nas provas objetiva ou discursiva poderiam ter avançado para as próximas fases se a concorrência não tivesse ficado tão inchada pela presença de pessoas que podem ter se aproveitado das normas do edital”, presume. Ao todo, 21.482 pessoas se inscreveram no sistema de cotas.

Apesar das queixas, as inscrições de não negros no cadastro de cotas ocorrem dentro da legalidade, afirma o advogado Max Kolbe, do escritório Kolbe Advogados Associados. “A legislação beneficia aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos, de acordo com o quesito utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”, explica. A metodologia da instituição leva em consideração a cor do entrevistado — branca e preta—, e outro critério, que remete à ascendência ou origem racial. “Nesse ponto de vista, a população inteira é parda, uma vez que a sociedade brasileira é miscigenada”, emenda.

Da forma como é aplicada, na opinião de Kolbe, a lei não atinge a finalidade prevista e fere o princípio de meritocracia. “A legislação deveria ser alterada. A proposta do governo de incluir o negro na administração pública não deveria ser aplicada ao pardo”, avalia. Para ele, a criação de comissões para fiscalizar a entrada de brancos no sistema de cotas, como defendem alguns candidatos, configuraria uma ilegalidade. “O poder administrador deve se pautar pela lei. Não pode criar obrigação nem restringir direitos previstos”, diz.

Critérios

A Lei 12.990 estabelece que, caso seja constatada uma falsa declaração, o candidato será eliminado do concurso. Se já tiver sido nomeado, a admissão será anulada e ele responderá a procedimento administrativo. Porém, na opinião dos candidatos que questionam a inscrição de brancos nas cotas, as normas poderiam ser mais bem elaboradas. “Falta objetividade quanto aos critérios para se considerar uma declaração falsa”, pondera o advogado Hugo Gonçalves, 25. Para a professora Ana Paula Sanches, 30 anos, sem a reformulação, a lei pode ser tornar “não aplicável” em um futuro próximo. “É preciso que sejam criados mecanismos para evitar fraudes”, acrescenta.

O professor e coordenador de Estudos Afro-brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), Nelson Inocêncio, discorda da forma como é aplicada a legislação nos concursos, bem como nas universidades federais. “No Brasil, tem, sim, como saber quem é branco e quem é negro. Não falamos de genética, mas de representações. Pessoas são representadas como negras ou brancas por características fenotípicas, como o cabelo”, justifica.

Como um dos responsáveis pela formulação do sistema de cotas na UnB, Inocêncio defende a ideia de que candidatos que se apresentam como cotistas devem passar por um processo de entrevista pessoal, método aplicado na universidade até 2012, antes da aplicação da Lei 12.711, sancionada em agosto daquele ano e que instituiu que a autodeclaração é suficiente para candidatos negros entrarem nas universidades pelo sistema de cotas. “Antes, com a utilização da ferramenta de entrevista, filtramos centenas de tentativas de fraude. Eram pessoas que não tinham nenhum traço de africanidade e que estavam fazendo vestibulares como negras”, garante.

A Polícia Federal não se posicionou sobre o assunto. O Ministério do Planejamento informou que, no momento, não há na pasta nenhum movimento no sentido de promover mudanças no sistema de cotas em concursos públicos. “É preciso algum tempo de maturação do exercício da lei para se estudar a necessidade eventual de modificações”, afirma nota enviada ao Correio.

Política afirmativa

As discussões poderão ganhar força não apenas em concursos do Executivo, mas também em processos seletivos de outros poderes. Na quarta-feira passada, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, assinou uma resolução que estabelece cotas para negros nos concursos para a Corte e para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O texto, que é uma regulamentação da Lei 12.990/2014, deve ser estendido a todo o Judiciário.

No início deste mês, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu que a adoção de 30% de cotas para negros no concurso de promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia (MPBA) é legal. O MPBA tinha alegado que somente lei complementar poderia mudar o percentual de cotas uma vez que a legislação trata apenas de 20% destinadas a negros. Contudo, o relator do caso, conselheiro Fábio George Cruz da Nóbrega, entendeu que a medida é uma política afirmativa necessária, além de reforçar o comprometimento do órgão com o Estado democrático.

Em setembro do ano passado, Nóbrega havia indeferido liminar para suspensão do mesmo concurso. Na época, ele destacou que, diante da definição de cotas nas universidades, o Supremo Tribunal Federal (STF) também decidiu, por unanimidade, pela constitucionalidade da medida. O conselheiro ressaltou ainda que, além da Lei 12.990/2014, a Lei Estadual 13.182/2014, da Bahia, prevê tal mecanismo.

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